sexta-feira, 29 de junho de 2007

feedback..

Uma das coisas mais carinhosas que me lembro da infância era meu pai me cobrir quando eu estava dormindo. O ato de cobrir é amparo, abrigo, proteção. Ele me vestia de lençol e por instinto eu me envolvia como se entendesse o gesto, mesmo em sono profundo, era a minha resposta. Por vezes velava meu sono e a me resguardar prendia seus olhos em mim. Doação, compromisso, zelo; prova de seu amor incondicional.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Síndrome de Pinóquio..

A vida de Carmem sempre fora uma grande ficção, vivia para mentir, apoiava-se na astúcia. Marcar presença com algo fabuloso fantasiando sua existência era sua idéia equivocada de auto-estima; tornou-se personagem principal e imaginária do seu desatino. Quando um e outro diziam não se chocar mais com sua criatividade surreal e espetaculosa, eram surpreendidos com mais um rosário de quimera. Ela, porém, arteira, planeava fraudar sua própria mente para esta acreditar nos devaneios; concebia, gerava e paria mentiras. Ludibriava e contrabandiava a burla. O engano que usava -propositado- contra alguém era vocação, fruía ao ponto de se lambuzar na maldade. Quando morreu, enfeitaram seu caixão com flores de plástico.

domingo, 24 de junho de 2007

.. das recordações

La Coruña, Galícia - Espanha

Deitou-se junto à noite a contemplar o céu anil. Foi invadida por uma sensação de liberdade. Seu olhar perdido na imensa escuridão voou a outro tempo, por um momento esqueceu tudo ao seu redor e enveredou num túnel fundo. Fechou os olhos e trouxe à memória tudo o que ocorrera em sua infância. A lembrança era tão vívida que parecia-lhe palpável. Quis tocar o dia, a claridade, espalmar o espectro solar nas águas do riacho, sentiu a brisa cortar seus dedos, seu corpo delgado. Depois abriu os olhos, admirou as estrelas e agradeceu à Deus tão maravilhosa inspiração.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

caixinha de música

Sempre tive verdadeira fascinação por caixinhas de músicas, elas têm ligação com a minha infância e me embalavam para além de mim. Quando criança minha tia Diva tinha uma linda caixinha japonesa, dentro era de veludo vermelho e uma linda bailarina rodopiava no meu olhar: dava corda e ela obediente bailava no som frio, mecânico e metálico, mas que me tranquilizava feito o ruído de uma cachoeira de forma que nenhum sorvete de chocolate era capaz de fazer o mesmo. Flutuava junto ao delicado som e rumava para o "Reino das Águas Claras". Sim, enquanto as notas musicais se materializavam e a "Marcha turca"(de Mozart) se dissipava nos meus ouvidos, pensamentos e criatividade, eu voava. O céu era o limite! Acreditava ser transportada a um castelo medieval, onde eu seria a princesa e teria um príncipe a me esperar. Coisa de menina sonhadora. E pôe lunática nisso!
Neste momento ouço "The Swan", de uma harmonia inverossímel, porém melancólica, composta por Camille Saint-Saens. De música erudita não entendo nada mais a sinto, e ouví-la a mim parece a combinação perfeita, como se fosse uma ponte entre a sonoridade e minh'alma.

terça-feira, 19 de junho de 2007

.. acreditem ou não!

.. um sim

.. um não

.. uma linha reta

.. um objetivo

Agumas curvas acentuadas, outras não. Dependendo da nossa necessidade criamos rotas sinuosas, aclives, declives e retas. De toda forma a estrada muda constantemente para nos levar a qualquer direção, mas a escolha é nossa. Basta querer a melhor delas. Sim, toda estrada tem um fim.

sábado, 16 de junho de 2007

proveito mútuo..

Ela tem uma relação quase simbiótica, como se fosse sua segunda pele. Se preocupa com o estado físico, cuida deles com o esmero de um bebê, ou de um ramalhete de rosas ganhado de alguém especial. Sente que necessitam da delicadeza do tocar, organiza e os repousa na estante por gêneros. Admira a capa, as páginas, as letras a bailar no desenrolar da história. Viaja.. Quando uma folha se dobra, ela padece. Não os abandona jamais e é capaz de relê-los por duas ou mais vezes até esvaziar-se de tanto ler. E cada vez que lê o percebe diferente. Adora livro asseado, sem nódoas e cheiroso. Roça suas folhas como se acariciasse a face do ser amado, e se sente feliz por que o assegura tais cuidados. Teme que se percam um do outro, e num arroubo se deixe encantar e se levar por outros ávidos olhos a se pousarem nele..

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Acerca de mim..

Tu deixaste um túnel tão fundo, solitário e escuro em meu coração que nele a luz se perde.. Apenas eu se lembra de nós, e os pedaços de nós que restão pelo buraco negro estão a cair em calafrio. Resigno-me e os deixo rolar para além do meu alcance o mais profundo que puderem chegar. Em matéria de amor passei a ser negligente, aprendi contigo. Deixei de regar a tua planta; porventura me ensinaste que não valia a pena.., e talvez até me debati muitas vezes contra, mas fui vencida por ti. Teu pacto silencioso desafinou a melodia. Agora estes, são nossos. Pela primeira vez em muito tempo deixei meu silêncio chorar às teclas e pintar o monitor. Neste momento ouço "Queixa", música de Caê. Grito aos surdos a minha dor. Sem ladainha. Sem cantilena. Sem carpideira. Hoje quem vai lamber as minhas feridas sou eu. E nem mais uma palavra. Um pio.

Jesus Cristo

Quem me leva os meus fantasmas? Quem me salva desta espada? Quem me diz onde é a estrada?

sexta-feira, 8 de junho de 2007

das lembranças...

A chuva veio e deu de beber a um jardim de recordações. Nas cores das minhas lembranças um matiz dourado envelhecido e charmoso. Era julho e o vento cortava meu rosto e meus ouvidos arrastando a poeira da pracinha. Vejo a cena como se fosse ontem: eu dentro de um vestidinho monocromático alaranjado e um belo rabo de cavalo cor de crina a fazer par com a seda do vestido, Patrícia de azul-marinho de puá contrastando os seus lindos cachos de ouro e sua pele pálida, seu vestido parecia um crepúsculo estrelado de bolinhas luzidias tal um pisca-pisca. Josi, ainda bebê, de azul celestial bordado com florzinhas pequeninas -em ponto cheio- na pala; a cor do vestido acentuava ao azul de seus vivos olhos grandes. Meus irmãos de botas e shorte de linho marrom e blusa branca com gravatinha borboleta, todos banhados e devidamente arrumados, cabelos bem penteados com gel, nas blusas bem passadas o azul do anil era o pano de fundo da limpeza, todos impecáveis, e nosso cheiro denunciando alfazema. A casa tinha uma atmosfera alegre e viva. Na varanda a cor-de-vinho das onze horas explodia em meu olhar que ecoava o acontecimento. O olor que se espalhava por todos os lados chamava-se ‘ventura’, era um cheiro de descanso, de regozijo, de unidade. Festa até para os cachorros da rua, pois sentiam a aura diferente e animada. Os objetos simplórios do nosso lar jaziam na espera de serem usados. Todo o aparato que se fazia traduzia a chegada do Padre da comunidade, que era o convidado de honra para o almoço de domingo; mesa posta, toalha de richelieu alva e engomada respaldando o banquete: vatapá, o prato principal, galinha caipira a agregadora da nossa família, e de sobremesa o pudim de leite; este me levava ao regalo dos céus irrompendo doçura no véu da boca, mas depois me jogava no limbo, pois comia escondido. E de castigo pelo ato clandestino seis bolos de palmatória nas mãozinhas do gato ladrão. O domingo pomposo era um dos poucos do ano para meu deleite mor, singular e intransferível. Eu era trezentas vozes a gritar a palavra ‘felicidade’, completamente deslumbrada, saltitante, abestalhada com a figura ilustre que oportunizara o nosso contentamento. Tão simples e tão feliz. Foi há trinta e três anos.
Selena,

Eu

Simplesmente Selena